Dia desses tive uma conversa com um professor que me fez pensar bastante durante e depois da conversa. Ele veio me pedir algumas orientações de como melhor proceder com relação a uma questão do momento, não me lembro bem agora, e aí, um ponto puxa outro, quando vi, estava fazendo uma breve exposição de conteúdos relacionados aos fundamentos da educação, filosofia da educação, sociologia da educação, psicologia e educação, didática, avaliação da aprendizagem, enfim, pudemos refletir sobre uma rede cheia de conexões.
Essa experiência reforçou a minha crença de que, atualmente, a sociedade se depara com complexos problemas que requerem uma solução sistêmica. Pouco se pode fazer quando na solução de um problema, resolvemos desprezar a influência de outros fatores.
...
Era uma vez uma escola diferente da maioria, voltada para a capacitação profissional. Apesar dos pontos em comum com outras escolas, seus personagens apenas visualizavam os componentes diferentes: que a escola era para jovens e adultos, o conteúdo era rígido, tradicional, uma doutrina antiga, e, portanto o único meio de ensiná-la aos novos integrantes da comunidade era por meio da transmissão, não havia o que 'reconstruir', não havia o que reinventar. Cabia aos professores dominar esses conhecimentos, bem como cabia aos alunos absorver os conceitos e procedimentos de forma mecânica e passiva para aplicá-los em situações profissionais futuramente. À despeito do que recomendam novos paradigmas teóricos e educacionais.
No processo de avaliação da aprendizagem, por meio de provas que privilegiavam a reprodução, certo professor percebeu que baixas notas sinalizaram um problema.
Ele começou a se lembrar do questionamento de uma aluna feito após a prova, o que revelou que ela não havia compreendido conceitos fundamentais e que a nota na prova seria muito baixa. A partir disso, ele começou a se lembrar do comportamento distante e aéreo dela em sala, durante as aulas preferencialmente expositivas.
Diante da constatação de possível insucesso escolar, o professor resolveu pedir orientação à equipe pedagógica.
Na análise da situação, professor e pedagoga se depararam com elementos que mantém relação com outros sistemas que integram esse complexo processo ensino-aprendizagem, mas que isoladamente não faziam muito sentido em estudos teóricos.
Eis os elementos e os sistemas a eles relacionados.
1. Influência da questão social e política. Os cursos eram voltados para a formação profissional, muitas vezes fazendo parte de processos seletivos, portanto, de caráter eliminatório. Predominavam valores como competição e classificação por notas, dentro de um processo púbico e democrático.
2. Influência da gestão educacional. O papel da escola está em atender necessidades corporativas, oferecendo capacitação profissional específica e exclusiva, por meio de uma cultura tradicional baseada em princípios como meritocracia, disciplina, ética, respeito às normas, dentre outros, em consonância com valores e princípios do ambiente corporativo.
3. Influência da filosofia educacional. A finalidade escolar converge para a disseminação de conhecimentos, técnicas específicas, procedimentos que formem profissionais dotados de alta qualificação e com perfil adaptado aos objetivos corporativos previamente estabelecidos. Nesse contexto, o papel do professor é o de transmitir esses conhecimentos, técnicas e procedimentos, e verificar a absorção deles pelos alunos. O resultado desejado diz respeito às competências ligadas ao registro, processamento e transmissão de dados e informações.
4. Influência da psicologia e do desenvolvimento da aprendizagem. Os profissionais responsáveis diretamente pelos trabalhos pedagógicos reconhecem a prioridade em capacitação nas suas áreas de conhecimento e atuação, e em conseqüência disso, o centro do processo educativo está no conteúdo e na sua transmissão, preterindo a capacitação continuada nos saberes pedagógicos e na compreensão dos processos de aprendizagem dos alunos, dos estímulos à motivação dos alunos para aprender, e das interações pessoais que conduzem ao compartilhamento e à construção coletiva de conhecimento.
5. Eficiência e eficácia pedagógica. A alienação docente quanto aos princípios filosóficos, políticos, psicológicos, sociológicos e pedagógicos nos quais se embasam a ação escolar conduzem a um pensar e fazer docente mecânico, autoritário, fragmentado, espontaneísta, e ineficaz. Em decorrência disso, o projeto pedagógico do curso vivido é diferente do planejado. Os resultados registrados em pesquisas escolares revelam a falta de coesão e coerência dos elementos didáticos como o conteúdo programático, a carga horária, os objetivos de ensino, a metodologia de ensino e a avaliação educacional.
6. A satisfação docente versus o incômodo e a sensação de frustração. Diante dessa teia de relações, os resultados do processo ensino-aprendizagem recaem sob a responsabilidade exclusiva do docente, bem como a transformação do investimento no processo de capacitação em valor de desempenho profissional para a organização. Atropelado pela contradição gestão versus educação, e tributário de uma concepção cartesiana e positivista de visão de mundo, de conhecimento, de homem, e de ensino-aprendizagem, o professor experimenta e vivencia as situações de fracasso do aprendiz, o que o leva a por em xeque o sentido da sua atuação profissional.
Diante da compreensão da rede que pode ser estabelecida a partir de um problema, no caso o baixo rendimento de uma aluna, pode-se perceber com essas relações que uma mudança é possível, mas precisa ser operada considerando conscientemente a influência de inúmeros elementos. Com essa compreensão possibilitada pela contínua reflexão, decorre a elaboração criativa de soluções sistêmicas, que dêem conta da complexa realidade que se descortina, à medida que direcionamos um olhar investigativo e curioso sobre ela.